DestaquesPublicações

Queria falar-vos de sindicalismo. Queria falar-vos da luta dos trabalhadores e do longo e áspero caminho que foi preciso percorrer para chegar até onde chegamos. Queria falar-vos do direito a um trabalho digno e a um salário justo.

Mas só me vem a cabeça a tragédia que caiu sobre a Europa e o Mundo. Todos os dias somos confrontados com um jorro de acontecimentos assustadores e preocupantes. É cada vez maior o número de infetados, é cada vez maior o número de mortes. Países europeus, que nos habituamos a ver como exemplo de virtude, países ricos e cheios de prosperidade, vivem em cenários dantescos, incapazes de reagir perante tamanha calamidade.

Nos jornais, na televisão, nas redes sociais, abundam exemplos de solidariedade e de reação à azarada pandemia que nos saiu em sortes. Elogiamos, e bem, os profissionais de saúde que não baixam os braços e se dedicam aos outros. Elogiamos, e bem, os trabalhadores que exercem funções essenciais e as empresas que se mantêm abertas para que não falte comida, água, gás e eletricidade. Elogiamos, e bem, os serviços de recolha de lixo e de higiene urbana que impedem que se somem à calamidade outros problemas. Elogiamos, e bem, todos aqueles que não desistem e continuam a lutar.

Mas só me vêm à cabeça os olhares atormentados, ansiosos e angustiados dos que estão recolhidos em casa, longe de tudo, longe do mundo. São os que se sentem inúteis e incapazes. E esses são a sociedade quase inteira. É preciso gritar bem alto que se acredita. Que se acredita que conseguirão manter-se em suas casas, isolados, para bem de todos. São famílias inteiras. Com filhos pequenos, com filhos com deficiência, com idosos a quem dar uma mão para amparar agora assusta.

Queria falar-vos das manifestações de trabalhadores. Queria falar-vos das jornadas de reivindicação, de quando nos sentíamos todos juntos para encontrar as nossas aspirações. Queria falar-vos dos momentos em que sentíamos que era preciso insistir e persistir. Queria falar-vos das inúmeras conquistas em décadas de luta, mesmo quando achávamos que a batalha estava perdida. Queria falar-vos das tardes daqueles dias em que éramos milhares, descíamos avenidas e sentíamos a força de sermos muitos.

 É do agora que falo. Já não desceremos avenidas, em manifestações coletivas, mas estaremos todos juntos. Todos juntos em cada uma das nossas casas. O tempo vai ser longo. Depois do atordoamento dos primeiros dias, virão outros dias. E serão dias iguais a não ser que os façamos diferentes. Insistiremos e persistiremos. Aqueles que hoje estão em sinistro silêncio, nas suas casas, são as vozes de amanhã. São esses que terão de se reerguer. São esses que não podem perder a esperança. Porque «eles» somos nós todos.